sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

UMA HISTÓRINHA FICTÍCIA, PERO NO MUCHO....



Três amigos. Inseparáveis a ponto de completarem as frases um dos outros.....e achar graça nisso. João, gordinho e bonachão. Crítico para cacete. Pedro, mais quieto e determinado. Joaquim, sonhador e destemido. Cresceram juntos numa daquelas deliciosas cidades do interior paulista numa década próspera e quando tudo parecia que ia se tornar um filme americano, tipo "American Grafitti". Talvez o que os unisse mais que tudo fosse a paixão por um esporte que nem era popular naqueles idos de TV em preto e branco e sem brasileiro na elite, o automobilismo. Os patrícios todos só pensavam em futebol e alguns, de lambuja, gostavam um pouco de basquete. Brasil era o país das chuteiras (antes das Marias) e das bolas de capotão! Havia o Eder Jofre, bom de punhos e valente demais, o Manoel dos Santos, que nadava mais que o Cielo, mas não sabia fazer a virada por baixo da água, e isso lhe roubou o ouro olímpico nos cem metros livres nas Olimpíadas de Roma. E um outro nadador, Abílio Couto, brilhante multi campeão mundial em natação de longa distância em águas abertas, desbravador e recordista da Travessia do Canal da Mancha. Ia da Inglaterra para a França a nado, sem precisar de passaporte!

A vida foi trazendo as opções aos três amigos que declaravam querer ser pilotos profissionais. Classe média, naquela época o melhor era começar em corridas de estreantes e novatos. João, gordinho e bonachão, além de mais abonado, comprou uma bela Puma e mandou preparar numa daquelas oficinas chiques próximas ao Autódromo de Interlagos. Pedro era mais modesto, comprou um fusca usado e ele mesmo, com a ajuda de alguns camaradas preparava o "bólido" antes das provas. Joaquim comprou um Corcel de segunda mão, tinha um amigo que tinha contatos numa revenda Ford. A princípio os três foram bem. As provas eram legais e os resultados nem eram tão importantes quanto a curtição, o ambiente, a galera que se formava. João, ainda gordinho mas nem tão bonachão, acabou indo cuidar das fazendas de seu pai, que sofrera um ataque. Joaquim foi fazer faculdade e afastou-se das corridas. Pedro ainda sentia um comichão a cada vez que ouvia um  motor roncar mais alto e empenhou-se em continuar correndo. Um pouco de Super-Ve, algumas provas longas em duplas com amigos mais abonados e o encontro com um magnata que gostava demais de autocross. Passou a competir nas gaiolas por falta de grana e opção e seu amigo foi se entusiasmando, promovendo provas, patrocinando, sendo companheiro de equipe. Um dia o amigo, no arroubo de mais uma vitória lhe disse: " se você for o campeão deste ano, pode me pedir qualquer coisa...." e Pedro foi o campeão e pediu: "quero uma temporada na Formula 3 na Inglaterra....." que, para ser justo, nem era tão cara naquela época.
O amigo magnata não decepcionou. Chamou-o a seu escritório elegante na Avenida Paulista, e olhando por cima dos ombros, dirigiu-se a um cofre escondido por detrás de um quadro na parede (desculpem-me a falta de originalidade), abriu-o e sacou dali algumas dezenas de milhares de dólares. Pegou mais algumas notas, e sem pestanejar, colocou tudo numa pequena bolsa de viagem e passou-o a Pedro, dizendo: "aqui está sua temporada na Formula 3 da Inglaterra, divirta-se!"

Pedro mal podia acreditar que o seu sonho de infância, correr na Europa, estava prestes a se realizar. Não pensava em nada além disso, pois sabia das enormes limitações que um brasileiro sofreria por lá. Fez contatos, procurou por outros pilotos que já haviam competido na Ilha de Sua Majestade e em princípios de fevereiro, no calor daqui, embarcou para o frio de lá. A chegada, a gélida recepção dos ingleses, ávidos apenas pelos escassos (em termos de automobilismo) dólares-convertidos-em-esterlinas de nosso herói, os testes que começaram debaixo de neve, a troca de equipe antes do início do ano, os bons resultados. A carona na publicidade de outro brazuca, muito mais endinheirado e conectado com a imprensa tupiniquim. O "timing" perfeito para fazer uma segunda temporada de Formula 3, já com algum apoio europeu e a entrada na Formula 1 por oportunidade fortuíta. Tudo foi acontecendo naturalmente e Pedro dava um passo de cada vez, sem se precipitar, sem se iludir. A estréia na Formula 1 por uma equipe nanica foi auspiciosa e gerou convites para correr em equipes maiores. Teria que levar grana e esta ele não tinha. Não se aborreceu, pragmático que era: já havia largado em dois grandes prêmios, muito além de seus horizontes de menino do interior paulista. Mas a roda do Destino estava girando em seu favor e uma das equipes grandes perdeu seu principal piloto antes mesmo da temporada começar, devido a um acidente bizarro. Pedro foi "encaixado" as pressas como piloto-tampão e não decepcionou: um sexto lugar aqui, numa pista em que nunca havia estado, um quarto ali, um motor estourado na primeira pista que já conhecia, uma boa colocação em Mônaco.

Os amigos vibravam e intimamente, João e Joaquim acreditavam firmemente que poderiam fazer até melhor que Pedro, pois nas corridas de estreantes e novatos conseguiram resultados melhores. Claro que João, bonachão e mais gordo ainda omitia de suas lembranças o motor totalmente fora do regulamento, a suspensão "mandrake" as muitas horas de pista que desfrutava a mais que Pedro. Joaquim, com resultados similares a este último, se julgava mais "natural", mas ainda assim admirava o sucesso do amigo.
Pedro jamais foi campeão mundial. Competiu muitas temporadas, ganhou provas, derrotou e foi derrotado por companheiros de equipe. A contra-gosto foi alçado a ídolo nacional, mas seu senso de marketing pessoal era diretamente proporcional ao seu interesse em puxar o saco de estranhos. Apareceram outros pilotos brasileiros, mais fotogênicos, mais marketáveis, mais patrocinados. Viam e iam.
Nos lares, agora, era comum os torcedores tecerem críticas aos seus novos ídolos e se colocarem na posição de juízes. A cada nova temporada a imprensa vaticinava o final da carreira de Pedro. Mas ele bravamente resistia. E ia fazendo sua carreira, seu pé de meia, dando suas milhares de voltas nos muitos circuitos do mundo, velhos e novos.
Do conforto de seus sofás, em frente às suas modernas televisões de tela gigantesca, muitos o criticavam. Um dia um importante jornalista foi entrevistá-lo, e a primeira pergunta, a queima-roupa, na bucha foi: — Pedro, o que te faz prosseguir? 
Pedro sorriu mansamente e falou: — Há muitos e muitos anos atrás, eu e meus amigos João e Joaquim saímos do interior com a intenção de sermos pilotos de carros. Nenhum de nós tinha a mínima noção do que isso significava então. Arrumei um fusca de segunda mão, colocamos algum amor e carinho na máquina e para a pista fomos. Interlagos ainda era o velho e tradicional circuito. Sentei-me no carro, amarrei o cinto de segurança e por inexperiência, fechei a viseira de meu capacete novo. Engatei primeira marcha e saí lentamente dos boxes, quando a viseira começou a embaçar. Resolvi abri-la e soltei a mão do volante, e nesse momento, quase causei um acidente com um carro que vinha a toda, tirando uma "fina" do meu, que claudicante, saía dos boxes. Talvez se eu tivesse sofrido aquele acidente, jamais teria voltado a pilotar novamente, mas não era para ser. As primeiras voltas, foram assustadoras e eu estava mais preocupado em não atrapalhar os mais velozes, do que em propriamente correr. Aos poucos fui me ajustando e meus tempos baixaram. Eu sabia que era uma coisa natural para mim, mas que poderia levar tempo. Outros eram bem mais rápidos, mas eu apenas me preocupava com meu progresso. Acerto de marchas, suspensão, carburador. O cronômetro nem era tão importante naquele momento. Eu chegava no final do retão, antiga curva três e freava bem antes. Na Ferradura, errava o traçado. Comecei a observar os mais experientes, os mais velozes e fui aprendendo. Anos depois, já na Formula 1, fiz o mesmo. Era incrivelmente lento nas primeiras voltas, mas aprendia sempre. Nunca li jornais e revistas de automobilismo. Quem nunca sentou a bunda num carro de corridas e ficou "pendurado" numa curva como a Eau Rouge, ou deu uma volta perto do limite em Silverstone ou Monza, pode falar o que quiser, mas jamais saberá o que está dizendo. Qualquer piloto que sente num carro de Formula 1 merece o meu respeito. Talvez eles não tenham vencido provas, nem campeonatos, mas dirigir num nível destes é  para poucos.
O jornalista, um dos muitos que criticaram Pedro durante anos a fio, engoliu em seco e entendeu finalmente uma verdade: vencer não é apenas chegar em primeiro lugar. Dominar um bólido puro sangue, permanecer vivo, fazer e renovar contratos, ser sondado e convidado por outras equipes fizeram daquele homem, um campeão.
Minutos depois, a convite de um dos patrocinadores da equipe, Pedro foi dar umas voltas a bordo de um possante Porsche com jornalistas pela pista de Interlagos. Devidamente amarrados, capacetes afivelados, orientados, aqueles poucos privilegiados puderam observar a técnica e o talento que um piloto TOP precisa desenvolver. Os cinquenta, cem metros que freiam mais próximos de uma curva, os movimentos perfeitos de pés e mãos, sincronizados a domar a besta e a desafiar as leis da gravidade, a suavidade com que executam estas manobras, os fazem diferenciados.
É verdade que sentar-se numa poltrona aos domingos e criticar é bem mais fácil....

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