segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE UMA CARREIRA




Os olhinhos muito azuis do garotinho brilham! Ele faz oito anos hoje e seu pai cumpriu o prometido: deu-lhe de presente de aniversário um kart, completo com macacão, luvas, sapatilhas e um capacete lindo! Vai começar a participar de provas para garotos de sua faixa etária, cadetes, e está muito ansioso. O menino está feliz, mas seu pai está em êxtase! Seu filho vai mostrar a todos o que poderia, o que era para ter sido e não foi. Sim, ele tinha talento, talvez pudesse ser até um campeão mundial, mas seu próprio pai nunca pode lhe dar a oportunidade. Agora tudo seria consertado e Júnior poderia resgatar o nome de ambos do limbo. O menino leva jeito para a coisa. É aplicado, treina bastante, começa a vencer corridas com regularidade. Passam-se os anos e os títulos vêm com frequência: já é conhecido nos meios do kart, ganha para correr de um grande fabricante de chassis, viaja para a Europa e agora prepara o salto para o automobilismo. Já tem 16 anos incompletos, e o velho Formula 3 adquirido pela família já está gasto de tanto dar voltas no autódromo perto de casa. O pai banca a maior parte dos gastos, mas consegue interessar algumas empresas na carreira do filho. Contratam uma empresa de divulgação para alimentar a imprensa sobre os progressos de Júnior, e este parece estar em todas as partes. O primeiro ano no automobilismo foi de aprendizado, com dificuldades, mas já na segunda temporada as vitórias começaram a surgir. Tudo bem que o campeonato sul americano (apenas com pilotos brasileiros) de Formula 3 já não seja tão competitivo. Mas o título tem lá o seu mérito e o passo seguinte é a Europa. O pai vende uma fazenda, consegue convencer alguns amigos a fazer uma espécie de cota e la vai o menino prodígio para o velho continente. Uma temporada razoável, bons contatos e principalmente um empresário de peso. Segundo ano na Ilha e as coisas começam a acontecer: título da Formula 3 britânica, teste de Formula 1 e bom contrato para a GP 2. Um ano de aprendizado e o vice campeonato na categoria de acesso. O garoto chegou lá: está às portas do sonho, da Formula 1, tem carreira sólida e títulos para comprovar isso. Apenas um pequeno detalhe o separa da glória de ser um piloto de Grande Prêmios: cerca de 8 milhões de dólares. Aquela equipe novata tinha falado em menos, mas o piloto daquele país do oriente chegou antes. Agora restam duas vagas, e as noites sem dormir, as unhas totalmente roídas mostram a tensão. Todo o esforço, todo o trabalho, os anos de dedicação, as muitas vitórias, por oito milhões de dólares.
A "fábula" acima é fictícia, mas muito mais próxima da realidade do que deveria ser. Deixou de ser razoável ser um piloto de Formula 1. Pilotos pagantes sempre existiram, desde o famoso Príncipe Bira. Alex Soler-Roig é o primeiro de quem eu me lembro, e até o jovem dentuço Niki Lauda tomou dinheiro emprestado de um banco aústriaco usando o nome de seu poderoso avô. Funcionou no seu caso. Hoje em dia, currículo em categorias de base, vitórias, pouco vale. O piloto tem que ser antes de tudo, um produto. Niki Heidfeld, com toda a sua competência, tendo derrotado adversários do calibre de Felipe Massa, Kimi Raikkonen, Mark Webber e Robert Kubica, não encontra um cockpit para desenvolver seu trabalho. Nelson Piquet Jr, após mais de uma década de trabalho duro, jogou tudo para o espaço numa curva maldita e obscura. Álvaro Parente, apesar dos títulos e da esperança de toda uma nação, encontra-se a pé e desolado. Bruno Senna, com todo o glamou do sobrenome que carrega, não sabe se vai alinhar no GP do Bahrein no mês que vem. Tempos doidos, onde até um piloto aparentemente confirmado ( o russo Petrov) tem seu lugar em risco se não efetuar os pagamentos combinados.
Acho que o mundo está doido e já está na hora de descer. Deus sabe o quanto eu quis ser um piloto de Grande Prêmio e houve muitos momentos em minha vida, e em minha curta carreira de piloto que eu podia vislumbrar uma possibilidade tangível. Mas eu jamais pagaria milhões de dólares por um punhado de corridas. Em meados dos anos oitenta, havia uma simpática equipe italiana, a Osella, que se arrastava com seus carros azuis no fundo das grelhas. Allen Berg, um baixinho canadense enterrou sua carreira e provavelmente as economias de sua família naquela carroça, assim como depois o fêz o holandês Huub Rothengarter. Eles queriam ser pilotos de Formula 1 e pagavam para isso. Mas eram quantias mais módicas e eles não tinham um cartel de respeito nas categorias menores. Hoje, este cartel de respeito de nada adianta. Romain Grosjean lutou anos e anos para chegar lá e quando conseguiu, bastaram poucas provas para destruir completamente sua reputação, a ponto de sequer ter seu nome mencionado para as vagas que apareceram recentemente. O mesmo ocorreu com Sebastian Bourdais, tetra campeão da Formula Indy.
Definitivamente a Formula 1 já foi muito mais divertida. Pilotos como Roberto Moreno e Nelson Piquet chegavam lá na base de resultados e talento. As equipes precisam abrir os olhos, pois estão cometedo autofagia, e isso já há algum tempo. Pelo menos teremos Kobayashi de novo, para torcer.

Um comentário:

Daniel Médici disse...

Acho que a Fórmula 1 tinha mais abertura antes porque também havia mais equipes. Depois dos 22, 20 carros por corrida a F1, sem se dar conta, cortou seu próprio tubo de oxigênio, e agora se encontra asfixiada, desperdiçando bons pilotos a rodo.

E agora a F1 se encontra numa situação inédita: para que o carro seja bom, os pilotos têm de ajudar no financiamento (vide Renault, BMW e as novas). É preciso escolher entre o carro ou o piloto...