sexta-feira, 27 de novembro de 2009

E LA NAVE VA: CONTINUANDO A MINHA SAGA




































Bom, eu estava contando que havia recebido um telefonema de um sujeito me convidando a uma reunião no interior da Inglaterra para discutirmos a respeito da moribunda Formula Talbot. Leitor inveterado como sou e sempre fui, sabia que esta categoria havia sido lançada com grande estardalhaço um ou dois anos antes, que os carros eram mais rápidos que os Formula Ford 2000, e mais lentos que os Formula 3, que eram movidos a etanol (alcool), que tinha pneus slick (novidade para mim naquela época) e tinha aerofólios. Beleza.
Cheguei ao tal Castelo, fui introduzido numa enorme sala de reuniões e havia uma série de senhores engravatados. O cara que me ligou, me esqueci seu nome (são mais de vinte anos), era careca, tinha uns 35 anos, simpático. Foram bem diretos e práticos: a Talbot tinha interesse em resgatar a categoria e para isso, iria patrocinar uns quatro ou cinco carros, para pilotos que atraíssem a atenção da mídia. Haviam combinado com umas duas equipes de ceder os carros, os motores, a manutenção. Tudo o que os pilotos teriam que fazer era estar presente nos circuitos nos dias de corrida e dos poucos treinos, esses deslocamentos seriam por nossa conta. Haveria também um seguro, para cobrir acidentes. Fiquei bem empolgado, porque os caras mostraram uma aprensentação de slides, com planejamento de retorno de mídia, essas coisas.
Naquela metade da década de oitenta na Inglaterra, durante a temporada, que vai de março a outubro, havia corridas todos os finais de semana em diversos circuitos simultaneamente! O piloto tinha que ser bem cuidadoso em fazer seu planejamento, pois eles realizam centenas de corridas por ano. A Formula Talbot já havia começado o campeonato, e os números eram desalentadores: apenas 6 ou 7 carros, pouco interesse da imprensa e pilotos inexpressivos. Além de mim, naquele dia havia outro rapaz, calado e simpático, rosto familiar, que também fora convidado a tomar parte do campeonato: seu nome era Mark Thatcher, filho da então Primeira Ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher, a "Dama de Ferro".
Como eu era um reles Zé ninguém, um pé rapado, fiquei hiper feliz. Teria a chance de correr sem pagar nada, num carro tecnicamente interessante e me senti bastante animado com o profissionalismo da equipe da agência de publicidade. Claro que estavam interessados no sobrenome Fittipaldi, mal sabendo que eu era o "primo-pobre" - coisa que aliás eu sempre deixava claro. Fomos para um pub, tomamos algumas cervejas, e marcamos uma sessão de fotos. Pegaram minhas medidas para o macacão - o que eu usara até então era de fabricação caseira, feio demais.
Algumas semanas depois, fomos convocados para um teste no circuito de Silverstone, que eu ainda não conhecia. Fui para lá de carro, mal contendo minha ansiedade. Havia vazado na imprensa o meu nome, o de David Hunt, Damon Hill, e outros, além de Mark Thatcher. Cheguei cedo e estacionei meu velho Ford Cortina bem longe, pois todos tinham carrões e eu com aquela carroça! Mesmo assim, eu gostava do carro, pois era confortável, barato, quatro portas -útil nas noitadas londrinas, onde quase todos os brasileiros, e principalmente as brasileiras dependiam de carona. O meu macacão estava pronto, fui colocar e ficou lindo. Me senti um piloto de Formula 1. Tiramos um monte de fotos, perto dos carros, ao lado da pista, dentro dos carros. O carro em si, era uma tetéinha: pneus grossos, como falei, slicks, o motor era dois litros, rugia alto. Fizemos um intervalo para lanche e depois era pista. O chefe de equipe - não me lembro, mas vagamente acho que era o Paul Jackson que hoje comanda a equipe Manor na Formula !, abaixou-se ao meu lado e me passou umas dicas. Me disse para ir tranqüilo, pegar a "mão" no carro devagar, que ninguém estava interessado em tempos rápidos. Mais fotos seriam feitas. Havia, se não me engano uns três carros prontos. Me lembro que a empresa química ICI era a principal patrocinadora, e o cara da agência disse que eles haviam aprovado meu nome e currículo(?).
Estava frio. Entrei no carro novo, macacão novo, capacete velho e bateu um medo danado. Medo de decepcionar, de não estar à altura, de fazer papel de bobo. Logo, isso passou, pois me concentrei, passei "aquele filminho" mental de toda a minha luta para estar ali, e conclui que merecia, e como merecia, aquela chance!
Motor funcionando, um monte de gente em volta, de repente, você não enxerga mais nada. Apenas o painel do carro e a pista. Engata primeira marcha, acelera, o carro tosse um pouco, adorei o ronco do motor. A pista dos boxes é longa, mas foi percorrida rapidamente e o sinal para a pista propriamente dita estava verde, portanto, acelera peão! Silverstone é bem larga e muito, muito rápida. Você acelera fundo, o carro responde, mas dá para perceber que aprender os "macetes" do circuito leva um pouco mais de tempo. Me concentrei em conhecer o carro e a pista, sem preocupação com tempos. Minha experiência, àquela altura limitadíssima, era com carros de Formula Ford 1600, carros velhos, motores de segunda linha, pneus gastos. Foi um choque apertar o pé do acelerador e sentir realmente algum tipo de resposta. O motor de 2 litros urrava bem e batia rápido no limitador de giros, pedindo para subir uma marcha. Dei algumas voltas e voltei para os boxes. Conversei com o mecânico, que me passou algumas dicas, mediu temperaturas dos pneus e etc, e voltei. Aquele tempo nem sonhávamos em ter rádios nos carros, portanto era tudo muito empírico.
Após umas 40 voltas, já suado, com duas "rodadas" sem consequência no currículo, voltei satisfeito para os boxes. Pelo olhar dos mecânicos e do próprio Jackson, percebi que havia conseguido o principal: o respeito da equipe. Não havia marcado nenhum temporal, mas tampouco havia feito alguma besteira, e soube depois, fui o mais rápido do dia.
Voltei para Londres, achando o velho Cortina uma porcaria e postei-me ao lado do telefone nos dias que se seguiram. Corria para buscar as revistas na banca, naquela época não existia a internet, a ansiedade era grande.
A má notícia veio na forma, acreditem ou não, de um telegrama! Após quase um mês de agonia, a Talbot decidiu finalmente que não valia a pena continuar gastando dinheiro numa formula que não tinha mais salvação. Fiquei arrasado, era a segunda grande decepção em automobilismo, e certamente não seria a última.
Prometo não demorar tanto para os próximos capítulos!

2 comentários:

Tortugo disse...

Olá, Cezar.
Venho acompanhando a tua saga e me delicio com os relatos. Uma das minhas vontades era ter feito que você fez, ser piloto de monopostos. Não deu, paciência. Não amaldiçoo nada nem ninguém por não ter pilotado, mas "revivo" o que nunca vivi (??) lendo a tua história. Obrigado por compartilhá-la assim conosco.

Uma perguntinha: é você dentro co Talbot branco? Me parece um pouco diferente daquela outra foto dentro do teu primeiro carro.

Felicidades e uma abraço!

Daniel

Cezar Fittipaldi disse...

OI Tortugo

Obrigado por acompanhar. Não, dentro do Talbot é o Mark Thatcher. Eu não guardei nenhuma foto minha no Talbot, acredita? Também foi apenas um teste, acho que fiquei com raiva.